5.1.10

“Macaroni combat” lidera minha lista dos melhores de 2009

Por pouco O Lutador não fica na pole position de 2009. Mas um ano com um longa do Tarantino é um ano do Tarantino. Só a sequencia inicial de Bastardos Inglórios, um diálogo longuíssimo e brilhante com a verborragia de costume, justifica a pagação de pau que vem desde 1995, quando vi Pulp Fiction pela primeira vez. No prólogo de Inglorious Basterds, o coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz), interroga o camponês que esconde uma familia judia debaixo do assoalho da casa (foto acima), com uma gentileza tão ameaçadora quanto desprezível. Palmas para o ator que construiu um personagem premeditadamente impecável, mas sem deixar de creditar o mérito do diretor, que é um ás em extrair boas performances. Obcecado em reciclar sub-gêneros obscuros, Tarantino fez seu “macaroni combat” – primo do western spaghetti, esse era o termo para os filmes B de Guerra realizados na Itália, que depois eram dublados para o mercado americano –, depois de estilizar os setentistas grindhouses (Death Proof), o chopxploitation (Kill Bill), o blaxpolitation (Jackie Brown), as histórias de revistas baratas (Pulp Fiction) e o filme de máfia (Cães de Aluguel). Em Inglorious Basterds, o devaneio de Tarantino extrapola ainda mais a realidade, rompe com a história e cria um final alternativo (e regozijante) para o fim do Terceiro Reich.

Poderia ter sido só a combinação do ator certo com o personagem certo, no filme certo e na hora certa. Mas O Lutador sobreviveu as frivolidades do Oscar e conquistou na estante um lugar ao lado dos outros dvds favoritões de todos os tempos. Câmera documental já não é novidade faz tempo, mas contar uma história de maneira crua é algo sempre bem-vindo. Darren Anorofsky faz seu melhor filme desde Pi, se redimindo de ter cometido o abismal Fonte da Vida. As atuações honestas de Mickey Rourke, Marisa Tomei e Evan Rachel Wood, que interpretam pessoas sem perspectivas, são à prova de qualquer premiação do mainstream.

Deixa Ela Entrar foi a maior supresa do ano. Um filmasso de vampiro, mas que ao invés do terror, versa sobre solidão e amizade. E sobre bulling. Mesmo que o desfecho tenha ficado óbvio lá pela metade, o longa sueco dá um olé em qualquer outra produção da moda vamp que pegou no ano passado – de séries de TV bacanas como True Blood ao indigerível Crepúsculo. Outro terror da lista é o divertido Arrasta-me Para o Inferno, em que Sam Raimi volta às origens ao estilo Evil Dead e faz um filme sem a pressão dos executivos. Começo a dar risada só em lembrar do cadáver da velha vomitando na boca da loirinha. Demais!

O Festival de Cinema de Gramado trouxe boas produções nacionais (o longa Morro do Céu, quase que um episódio não oficial da Vindima da Imagem) e latino-americanas (La Teta Assustada e Nochebuena). O destaque ficou por conta do longa uruguaio Gigante, que deve ter umas 15 páginas de roteiro. Praticamente sem diálogos, é o filme que (quase) todo acadêmico de cinema pensou em fazer durante a faculdade: economia de planos, poucos diálogos, história simples, planos bem elaborados, final em aberto com plano estático e longo na beira do mar… e por aí vai. O filme é excelente, mesmo. Ainda em Gramado, ter assistido o vencedor da mostra, Corumbiara, foi uma experiência única. Bastante longo (são quase três horas de projeção) é um documentário que provavelmente não vou assistir nunca mais. Mas isso não anula o fato de ser um grande filme, competentemente bem editado, roteiro esturturado e comovente. Para esgotar os adjetivos, vou incluir um “revoltante”, também. Se o cinema nacional tivesse memória, a imagem em que os corumbiaras fazem contato com os membros da equipe pela primeira vez estaria entre as cenas mais inesquecíveis.

Completando a lista, a experiência estética de Valsa com Bashir, uma animação israelense com cara de documentário, que além do impacto visual (morri de inveja) também deixa o espectador perturbado por alguns dias. Dúvida vai na sétima posição, pelas atuações viscerais de Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams e Viola Davis (essa mulher aparece uns cinco minutos no filme, mas me deixou de queixo caído), além do trabalho do diretor em usar recursos da linguagem audiovisual para criar simbolismos de uma maneira bem parecida com o que Orson Welles fazia. Distrito 9, ficção científica sul-africana, que começa em estilo documental e dosa clichês do gênero com alguns paradoxos (o protagonista banana e mau caráter vira anti-herói mas permacene egoísta), merece uma colocação pela surpresa na sala escura (afinal, extraterrestres marginalizados e morando em favelas é uma ideia fantástica).

Gran Torino fecha o top 10 de 2009 pela sempre competente direção clássica e pela derradeira atuação de Clint Eastwood. Com uma trama já batida, com sinopse apropriada para o Supercine nos anos 80 (veterano de Guerra rabugento envolve-se no meio de brigas de gangue de imigrantes asiáticos), Eastwood conduz essa história com habilidade o suficiente para fazer derramar algumas lágrimas sem nenhum sensacionalismo ou exagero. Não tem nenhum apelo épico ou fanfarrismo de festival, mas nem por isso deixa de ser mais um filme que atesta a competência de um dos melhores realizadores em exercício.

Segue a lista:

1. Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds)

2. O Lutador (The Wrlester)

3. Deixa Ela Entrar (Låt den Rätte Komma In)

4. Valsa com Bashir (Vals Im Bashir)

5. Arraste-me para o Inferno (Drag me to Hell)

6. Gigante

7. Dúvida (Doubt)

8. Distrito 9 (District 9)

9. Corumbirara

10. Gran Torino