Eu só conhecia Thor por um filme característico da Sessão da Tarde do início dos anos 1990,
Uma Noite de Aventuras (
Adventures in Babysitting, dirigido pelo Chris Colombus em 1987), em que Elisabeth Shue era a babá cuidando de uma turma
envolvida em muitas confusões. Uma menina da turma era fã do Thor e passava o filme todo com o capacete de asas e o Mjölnir de brinquedo. Em uma cena, eles encontram um mecânico que ela jura ser o próprio Thor (interpretado por Vincent D'Onofrio, do
Law & Order, quando era garotão). Eu tb já havia visto também imagens esporádicas dos quadrinhos e do desenho animado dos anos 1960, mas nunca me despertaram atenção.
Isso até cerca de um ano atrás, quando vazou na web um vídeo sensacional de 4 minutos do filme da Marvel, exibido na Comic-Con em San Diego. Vi duas ou três vezes no mesmo dia. O material editado apontava que ia ser um filmasso de primeira, pra ver com combo de pipoca e refrigerante no colo, com todos os ingredientes de um bom espetáculo carcaterístico da temporada do verão norte-americano. E é justamente o que
Thor, a produção dirigida por Kenneth Branagh, é. São duas horas de uma boa fantasia absurda como não se via há muito tempo, mais precisamente desde que Aragorn assumiu o trono de Gondor na Terra Média.
Se só a ideia de transformar um deus da mitologia nórdica em um herói de quadrinhos já era uma baita sacada, imagine como funciona uma caprichada transposição para o cinema. Thor é um cara abusado, arrogante e vicidado num quebra-pau, préstes a assumir o trono em Asgard, reino de um universo paralelo. Contrariando a política de paz do pai, o rei Odin (Anthony Hopkins, muito digno), Thor faz uma cagada federal e reacende a rivalidade milenar com os assustadores Gigantes de Gelo. Como punição pela imaturidade, Odin exila o filho na Terra - este plano inferior de vibração baixa, bem próximo aos umbrais, em que os nativos estão o tempo todo desconcentrados porque os instintos primitivos entendem que tudo se resume à prática do coito (guarde bem isso). Aqui chegando, como todo bom clichezão do saudoso Aristóteles, nosso herói entra numa jornada de redenção que vai torná-lo mais humilde e merecedor do trono até o final da história.
O vilão da história é Loki, outro deus mitológico e irmão adotivo de Thor. Mas ao contrário de habituais antagonistas de quadrinhos, em que o personagem é semente ruim desde o jardim de infância e fica tudo por isso mesmo, dessa vez vemos a ascenção do vilão ao descobrir a verdade sobre a sua origem. Algo que já o perturbava, levantando questionamentos sobre a predileção do pai por Thor. Armar contra o pai e o irmão sucessor do trono é tão clichê que até
Gladiador ganhou o Oscar por tabela com isso.
Mas fazer clichê direitinho é coisa de profissional (seja roteirista, produtor ou diretor) que já comeu bastane feijão. Em
Thor, dá pra comer clichê com farofa e depois se saborear lambendo os beiços na saída do cinema.
Viral da Marvel para promover o filme, parodiando a campanha com o Mini Darth Vader da Volkswagen.
Falando em lamber beiços, Natalie Portman é o par romântico do herói. Embora seja interpretada pela única atriz do cinema a despetar de fato instintos matrimoniais no autor desse blog, é nessa personagem que reside a única grande falha do filme. Não dá pra comprar o romance instantâneo dos dois. A caçadora de tornados fica fissurada pelo protagonista logo que vê ele
à la Lendas da Paixão, de calça jeans e sem camisa. O problema é que essa fissura evoliu para amor muito rapidamente. Da mesma forma, Thor, que até então era indiferente aos reles humanos, também é motivado num piscar a salvar a Terra só porque corresponde a terráquea. Não houve construção para a gente acreditar nesse amor todo. Aí que vem a minha teoria: Thor é um marmanjão virgem. Pensando bem, esse deve ser o caso. Na única cena premeditada no roteiro para haver uma aproximação do casal, uma conversa sob as estrelas no deserto, não há qualquer tensão sexual. Que sirva de lição: se não houver tempo na minutagem para construir amor puro e verossímil porque o ritmo do filme não deixa a ação parar, tem que rolar um sexo bem pegado! Sem nem tirar as calças jeans. Só precisa desabotoar. Amor de pica/peca já justificaria a intensidade das motivações que o casal tem no terceiro ato. É assim que funciona na Terra. Isso não adianta fantasiar. Logicamente que o estúdio não deixaria uma cena ousada passar porque a classificação limitaria os adolescentes a entrar no cinema. Mas que faltou a pegação, faltou. Se tivesse rolado um arreto no capricho ali no deserto, com a mortal seduzindo pra valer o deus do trovão, todo mundo no cinema estaria com a libido à flor da pele torcendo para que o casal enfrente o conflito, supere as adversidades, pra depois ser recompensado com o coito sem pressão.
Estranhamente, essa falta de construção do romance não compromente a bela cena final do filme (antes dos créditos finais, não a cena-surpesa do Nick Fury depois do scrolling). Keneth orientou a emoção na medida certa pra fazer as glândulas lacrimais entrarem em ação discretamente só para criar a expectativa pelo próximo capítulo. Lembrou os
melhores momentos do Desmond e da Penelpe em Lost (há quem deve achar que foi cópia descarada). Próximo capítulo aliás, que ainda não vai ocorrer. Os créditos finais já anunciam que
Os Vingadores, reunião do elenco de heróis da Marvel que acontece em 2012, é a continuação direta de
Thor.
Thor não é um
Cavaleiro das Trevas, mas é uma diversão muito saborosa. Não é de restaurante fino mas foi feito por um chef competente. Só que o sujeito que está indo para o multiplex tem que saber onde está se metendo. Pagar ingresso para ver uma fantasia e não estar disposto a comprar a proposta é tiro no pé. Nesse caso, melhor é gastar o dinheiro pedindo uma tele-entrega de uma pizza calabresa banhada na gordura e tomar Coca-Cola Ligh pra fantasiar regime.