Muito antes da Sofia, houve um tempo em que os comerciais de tv eram pra se mijar de emoção. Haviam histórias sendo contadas em arcos dramáticos de 60 segundos e às vezes nem precisava necessariamente ser um conto e ter um narrador pra isso. A imagem era o texto, o texto era música e a música era a imagem. Era mais colorido, se não ao menos mais vibrante. Mais outstanding. Mas eu não falo de escala ou recursos. Me refiro ao jeito de filmar uma sensação. O filme sendo sentido no peito. Era algum lugar entre 1988 e 1990. Eu não lembro bem, mas esse que me vem à mente, especificamente, tudo indica que era um comercial da Pepsi. Ou era de jeans. Ou eram pessoas usando jeans e camisetas coloridas em um comercial de refrigerante. Tinha um refrão forte, um "oh-oh-oh" cantado em coro. Uma galera ia surgindo de diferentes lugares e iam se juntando dançando, agitando na rua. Tinham externas no final da tarde e noite. Tinha muita atitude. Era sobretudo, um comercial de atitude. As pessoas eram alto-astral, superestima... Parecia que aquele era o estilo de vida ideal que todo mundo queria viver. Nova York. Me parece Nova York. Tinha uma coisa urbana, tipo Bronx; mas também Los Angeles. Muito contra-plongê. Finalizava com o close de uma morena de cabelo crespo e volumoso, sorrindo pra câmera. Congela a imagem e vem a assinatura do lado inferior direito. Pepsi. Talvez era o símbolo da Pepsi ali. Não encontro no Youtube.
Naquela época era uma enxurrada de comerciais assim. Tinha alguma coisa pulsando ali. Uma coisa de wannabe. Eu estudava na quarta, quinta Série e programava o VHS pra gravar os seriados que passavam depois das onze, Anos Rebeldes, Incidente em Antares, Hilda Furacão,... e gravava os comerciais que só veiculavam naquele horário, como os cigarros Free, Hollywood e L&M. Teve um filme bombadão, que na verdade era um clipão que tocava o jingle do Holywood (Go for the Hollywood way), que era todo berrantão, fluorescentes, estética graffiti, em cima da música pegando nos bago da autoestima.
Tira o mofo e senta o play na fita:
É tudo sobre atitude. Atitude é o produto oferecido nesses comerciais. Cigarro é um produto que não comunica mais e quem herdou aquela atitude foram comerciais de refrigerante, como o Diet Coke - que a gente não vê porque não é mais vendida aqui. Trata-se de uma comunicação sensorial e, em alguns casos intelectual, e mesmo assim de propagação popular. Porque são filmes de fato. Cinema em pequenas histórias contadas por ações e identificação de protagonista. Em breves segundos, uma sequência de planos conta uma história; na dimensão espacial de onde acontece a cena e na evidência do personagem. É a carta mais alta do baralho, os cabelos do Sansão, é Ulisses e a Odisséia, o açúcar no molho vermelho, o Moonwalker do Michael Jackson, a mosca na velha, a velha a fiar. Trata-se pura e simplesmente de contar uma história. De fazer um clássico filme de longametragem naquele minúsculo espaço de tempo. Dizendo em segundos ao mesmo tempo quem são aquelas pessoas, o que eles querem e o que elas estão fazendo. Três planos devem contar o que três cenas levariam pra contar. As pessoas gostam de ver histórias sobre gente extraordinária. Seja qual for a roupagem, nós gostamos de ver histórias de pessoas confiantes, corajosas e individualmente motivadas. O herói do filme publicitário é o que toma a iniciativa, o que enfrenta o medo, o que tem coragem e toma a atitude. Por que só histórias de atitude fazem a gente querer se mijar de emoção.
E aqui tem um filme de 60 segundos pra se mijar de emoção:
(em tela cheia e com fones de ouvido, pfvr)